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sábado, 1 de outubro de 2011

...atire a primeira pedra!!!???

Flagrante

Era uma tarde como qualquer outra da semana de trabalho, e ela já se encontrava aflita. Já faziam algumas horas que seu marido havia saído de casa para o trabalho no mercado, e ela já olhava pela janela, esperando ele chegar. Aquele sentimento de paixão, misturado com a apreensão de saber se ele apareceria novamente, a deixavam sufocada.
Aquela paixão vinha consumindo seus pensamentos de tal forma, que ansiava o momento em que o veria. Quando ele entrasse por aquela porta, sorrisse e a tomasse em seus braços, ela não teria outro pensamento em sua mente, apenas se deixaria levar por ele. Mas o que a entristecia bem no fundo, é que ela sabia que aquilo não era certo; ela sabia que deveria parar, mas seu desejo falava mais alto que a razão.

Chegou o tão esperado momento: havia acabado de ouvir as batidas na porta dos fundos. Aprumou-se como uma noiva que vai ao encontro do noivo no dia de seu casamento e correu a abrir a porta. Ao ver seu rosto sorridente, todas as preocupações se esvaíram de sua mente, e deu um pulo para abraçá-lo bem forte. Seguiu-se um beijo caloroso, como era de costume todas as vezes que se encontravam assim.

O momento durou pouco. Quando se viraram para a cozinha, todos os medos dela haviam acabado de se concretizar. Seu marido chegou mais cedo, desconfiado de que sua adorável esposa o estava traindo. Uma decepção ainda maior foi ver que ela estava nos braços de seu melhor amigo.



Ele olhava incrédulo para aquela cena. Seus amigos da sinagoga haviam alertado várias vezes sobre o caso que sua esposa estava tendo em segredo, e ele nunca quis acreditar. Vendo com seus próprios olhos, todo o amor que tinha por aquela mulher se tornou em ódio, uma raiva crescente que queimava em seu peito, pronta para para ser descarregada.

A mulher, envergonhada, olhava para os olhos em fúria do seu marido. Tentou olhar para o homem que a tinha em seus braços, mas ele apenas a empurrou e saiu porta afora, fugindo da ira de seu amigo. Ela caiu no chão, vendo todos os seus sonhos desabarem diante de seus olhos. O homem andou rápido em sua direção, pegando-a pelos cabelos.

- Como você pôde fazer isso comigo!? – gritava, sacudindo a cabeça dela. Olha pra mim!

Ela não dizia nada, nem tinha coragem de lhe olhar mais nos olhos. Olhava para baixo e chorava amargamente. Ele a jogou no chão, com força. Já sabia o que deveria ser feito, conhecia as leis de sua nação, e o ódio que lhe carregava o coração facilitaria ainda mais o feito.

O homem foi para fora, chamou os que o acompanhavam, e os mesmos agarraram a mulher e a colocaram para fora de casa, pela porta da frente. As pessoas que passavam nas ruas olhavam a cena, sem saber do que se tratava, até que um dos homens, aparentemente um dos religiosos de grau mais alto, expunha em alta voz o que aquela mulher havia feito ao seu marido. As pessoas que ouviam aquilo faziam cara de repulsa, algumas chegavam perto dela o bastante para cuspir-lhe no rosto. Sentiu uma batida forte e uma dor na cabeça. Sua própria vizinha, com quem conversava todos os dias lhe jogara uma pedra.

- A Lei é clara: a mulher que trai o seu marido deve ser apedrejada até a morte! – entoava aquele homem às pessoas que já paravam para assistir ao espetáculo.

Não demorou muito e já haviam dezenas de pessoas à sua volta. Com chutes e pontapés, a faziam andar até a praça da cidade. Ali seria o lugar onde a mulher daria seu último suspiro. O caminho foi difícil, e a dor que ela sentia era indescritível. Não digo a dor dos chutes, ou das pedras, mas a dor que vinha de dentro do seu coração.

Lembrou-se do dia de seu casamento, e de todos os momentos felizes que viveu ao lado de seu esposo. Lembrava de tudo, enquanto tentava olhar para o rosto dele entre a multidão. Já não era mais o mesmo, seu olhar de amor e carinho estava transformado em uma face de ódio. Depois de tantas chances que tivera, agora perdera a oportunidade de voltar atrás. Seu erro havia enegrecido o coração de seu esposo.

Chegaram enfim à praça, diante do Templo. Jogaram-na frente a um homem que ensinava alguma coisa à porta do mesmo. Os homens à sua volta pegavam pedras pesadas que encontravam pelo chão. Um deles se virou para o homem que ensinava:

- E agora, o que você nos diz? Esta mulher foi pega em flagrante, em adultério. A Lei nos manda apedrejar todos os adúlteros! O que devemos fazer a ela?

A mulher sabia que esse era o momento final de seu tormento. Em poucos instantes, aquele homem daria a ordem para apedrejá-la, e ela morreria ali, diante do Templo. Sem mais, nem menos, o homem sentou-se numa pedra e começou a desenhar no chão com o dedo. Os algozes, perplexos, começaram a insistir:

- Você sabe que a nossa Lei é suprema! Por ela, essa mulher deve pagar pelo seu erro com a morte! E então, o que nos diz?

O homem respirou fundo e olhou de relance para a mulher, que nem ousava levantar a cabeça. Quando ele se pôs de pé, ela já esperava a sua sentença. Era aquilo que merecia, ela sabia disso. Com uma voz serena, porém forte, o homem disse:

- Quem nunca houver cometido um erro, pode jogar a primeira pedra! – e voltando-se, sentou novamente e continuou a desenhar no chão.

Um silêncio se seguiu. Algumas pessoas murmuravam umas com as outras; algumas apenas deixavam a pedra cair no chão e se afastavam, cabisbaixas. A multidão se desfez, apenas um permaneceu ali de pé, ainda com uma pedra na mão. A mulher, sem entender, olhou para os olhos de seu marido, que a encarava. Fez menção de levantar a pedra para atirar, mas seus olhos se encheram de lágrimas. Dando um urro, como de quem sente uma dor muito grande, jogou a pedra no chão, virou as costas e foi-se embora.

Ela ficou ali, com os olhos cheios de lágrimas, ao ver seu antigo amor indo embora. Arrependimentos eram tudo o que tinha naquele momento. Ficaram ali apenas ela e o homem desenhando no chão. Ele levantou-se, olhando ao redor, e depois para ela.

- Aonde estão todos? Ninguém te condenou? – disse ele com uma voz serena.

- Não, senhor. Foram embora, todos… – disse ela, bem baixo.

- Eu também não vou te condenar. Levante-se e vá. E não volte a cometer o mesmo erro.
Virando-se, voltou à frente do Templo, chamando a atenção dos que antes o ouviam, continuando a ensinar. Ela se levantou, sem palavras. Há poucos instantes atrás, tinha a certeza de que estaria morta. Parou e ficou observando aquele homem ensinar. Ele não era somente mais um mestre do Templo, um religioso como os outros. Tinha algo a mais nesse homem.

Seu coração queimava ao ouvir suas palavras, algo que nunca havia sentido na vida. Sentia como se a vida estivesse começando de novo para ela, e ela teria agora uma segunda chance. Chamando uma mulher que passava na rua, perguntou-lhe:

- Quem é aquele que está ensinando ali?

- Você não o conhece? – disse a mulher. Ele se chama Jesus. Volta e meia vem aqui e ensina na frente do Templo. Mas se eu fosse você, não me misturava com ele, os fariseus não gostam dele.

Ela não queria mais saber o que os outros pensavam sobre aquele homem. A certeza que ardia em seu peito naquele momento, é que seguiria a Jesus até o último suspiro de sua vida.


Baseado no Evangelho de João, capítulo 8.


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