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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Erasmo de Roterdã

Erasmo de Roterdã é um dos eruditos mais famosos e criticados que já viveram. Ele foi um indisputável líder do Reavivamento do Aprendizado e o maior intelecto de sua geração. Durante sua vida foram-lhe oferecidas riqueza e posições além dos sonhos mais audaciosos que se possam acalentar. Os reinos da Inglaterra e da Alemanha lhe ofereceram qualquer posição dentro deles; a França e a Espanha colocaram suas terras à sua disposição e o Papa Paulo II outorgou-lhe a posição de Cardeal. Sem dúvida, o ofício de papa e a liderança da Cristandade poderiam ter sido dele, se ele o tivesse desejado. Contudo, ele recusou todas estas ofertas.

Desiderius Erasmus nasceu em 1466, em Roterdã, Holanda, filho ilegítimo de um padre holandês. Ele se tornou um monge agostiniano aos 21 anos, porém, mais tarde, foi dispensado dos votos, tendo ido estudar Teologia na Universidade de Paris. Mais tarde, ele se tornou professor de Grego na Universidade de Cambridge. Ele foi distinguido com a publicação do seu primeiro Novo Testamento Grego, em 1516. Embasadas neste seu trabalho vieram as principais traduções da Bíblia, na Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Holanda, Suécia e Dinamarca, inclusive a de Lutero, (1522), a de Tyndale (1525), a versão francesa Oliveton (1535), a italiana Diodati (1607) e a mais famosa de todas, a Versão Autorizada de 1611 - a King James - em Inglês.

Erasmo, o Reformador

Erasmo tornou-se uma figura líder na tentativa de realizar uma reforma dentro da Igreja Católica Romana. Ele criticava publicamente as grandes e inúmeras corrupções e os abusos que via dentro dos mosteiros e entre o sacerdócio, especialmente em sua obra “Praise of Folly” (1510) – Elogio da Tolice. Ele se opôs à Inquisição e ao tratamento da Igreja contra os chamados “hereges”. Rejeitou as imagens, relíquias, orações a Maria, celibato clerical, peregrinações e outras superstições da Igreja de Roma, muitas dessas críticas através de notas, ao longo do seu texto.

O Cristianismo [Catolicismo], dizia Erasmo, fora feito não para demonstrar amor ao próximo [Gál.5.14], mas para se abster de manteiga e queijo durante a Quaresma. Tal foi o impacto que ele causou que as hierarquias da Igreja lhe ofereceram bispados, a fim de silenciá-lo, porém sem resultado algum. Ele não temia a controvérsia. Ele produziu o seu Texto Grego com o objetivo de realizar a tão necessária reforma na Igreja. Apesar da oposição, Erasmo sempre gozou de poderoso apoio, tanto dentro como fora da Igreja. Talvez um dos seus aliados mais fortes tenha sido o papa Leão X. Leão ajudou Erasmo imensuravelmente e este, agradecido, dedicou-lhe o seu Novo Testamento Grego. Somente depois de sua morte foi que houve alguma reação oficial da Igreja contra ele. Até então, tinha havido apenas reações particulares de indivíduos. Após sua morte, suas obras, inclusive o Texto Grego, foram colocados no Index de Livros Proibidos pelo Concílio de Trento (1545-1563), quando ele foi rotulado como “herege ímpio”.

Ao contrário de Lutero, Erasmo achava que a reforma poderia vir mais facilmente com a melhoria da compreensão intelectual do povo e com o retorno aos ensinos morais de Cristo. Por sua vez, Lutero buscava uma reforma não entre os gigantes intelectuais da Europa, mas entre o povo simples. Para isto ele confiava não apenas no aprendizado erudito, mas no poder do Evangelho, que era loucura para os sábios e eruditos deste mundo (1 Coríntios 1:25-27).

Contudo, Erasmo foi um reformador moral, não doutrinário. Os males que ele combatia eram: a hipocrisia, o orgulho, a ambição, o egoísmo, a imoralidade, a injustiça e a ignorância. Nisto ele foi muito influenciado pelos ensinos de Cristo, os clássicos e os pais da igreja primitiva. Acima de tudo, ele queria moderação de ambos os partidos [Reforma Protestante e Catolicismo Romano]. Ele odiava o fanatismo e a intolerância encontrados nos clérigos da ICAR, temendo, ao mesmo tempo, que a intolerância de Lutero pudesse simplesmente entrincheirar os dois partidos no mesmo erro. Embora tendo simpatia pelas idéias do grande reformador alemão, Martinho Lutero, e acreditasse que muitas críticas de Lutero eram justas, Erasmo achava que o seu estilo de reforma de Lutero corria o perigo de destruir toda a obra de tolerância, pela qual os humanistas vinham se empenhando em conseguir, há tanto tempo. Inicialmente, Erasmo havia visto Lutero e a reforma favoravelmente, mas, à medida em que as coisas evoluíam, Erasmo não pôde se juntar a um movimento que havia falhado em viver segundo os preceitos morais de Cristo: “Nunca esperei por moderação em Lutero, mas também nunca estive preparado para uma calúnia tão maldosa” (1).

Finalmente, a Igreja pressionou Erasmo a opor-se publicamente à Reforma de Lutero, o que ele fez, relutantemente, quando publicou, em dezembro de 1525, sua obra “De Libero Arbitrio” (O Livre Arbítrio). Deste modo, ele pôde demonstrar publicamente sua discordância de Lutero, sem criticar os seus propósitos válidos. No livro, Erasmo definia o “livre arbítrio” como um “poder da vontade humana, pelo qual o homem pode aceitar ou se afastar das coisas que conduzem à salvação eterna”. Lutero respondeu com o livro “Bondage of the Will” (Escravidão da Vontade), no qual ele rejeitava toda a idéia do livre arbítrio, ensinando que o homem não tem poder em si mesmo para responder ao Evangelho. Ele se queixou que Erasmo usou de excessiva eloqüência e não de bastante substância em sua obra, dizendo: “Ninguém pode sobrepujá-lo. Você é como uma enguia, que escapa pelos dedos, ou como o fabuloso Proteu, que muda de forma, exatamente nos braços de quem deseja prendê-lo”. Erasmo foi capturado entre dois partidos intolerantes. Os protestantes mantinham um amargo ressentimento contra ele, enquanto os romanistas o tratavam com progressiva suspeita. O sonho de Erasmo era unir a Cristandade, purgar a superstição e ver uma Europa com amplo humanismo cristão, onde o amor, a alegria, a retidão e a justiça prevalecessem. Desse modo, suas visões da reforma diferiam das de Lutero e isso causou um rompimento entre eles.

Erasmo, o Erudito

Erasmo foi o gigante líder intelectual e humanista da Renascença (2). Mesmo tendo produzido o primeiro Texto Grego e reverenciado o ensino da Escritura, ele não acreditava na inspiração do texto, do mesmo modo como seria mais tarde entendido pelos evangélicos. Ele rejeitava a autoria paulina da Carta aos Hebreus e duvidava que as pastorais tivessem sido escritas por Paulo. Ele acreditava que o Evangelho de Marcos era uma sinopse do Evangelho de Mateus e não acreditava que as narrativas dos evangelhos fossem infalíveis em seus detalhes. Contudo, Erasmo acreditava e aceitava os fatos centrais do Evangelho, conforme declarados no Credo dos Apóstolos.

O texto produzido por Erasmo foi chamado Textus Receptus ou Texto Recebido. Ele tinha compilado cinco manuscritos, a fim de produzir este texto. Ele produziu cinco edições conjuntas, em 1516, 1519, 1522, 1527 e 1535. A primeira edição foi compilada apressadamente, mas edições seguintes corrigiam quaisquer erros insignificantes. Seu trabalho foi continuado por Robert Stephen, o qual tinha 16 manuscritos para embasar a sua obra. (3). Ele produziu as edições de 1546, 1550, 1551 e 1559. Entre 1559 e 1598, Theodore Beza, sucessor de Calvino, produziu cinco edições. Ele possuía alguns manuscritos antigos aos quais Stephen não teve acesso. Finalmente, os irmãos Elzevir produziram um Texto Grego em 1624, o qual foi chamado de Textus Receptus. Desse modo, na Europa, por Textus Receptus se entende esta edição, enquanto na Inglaterra a edição de 1550 de Stephen é assim entendida. (4) Deveria ser observado que a vasta maioria das diferenças nestas versões se referia à pronúncia, acentuação, ordem das palavras e outras diferenças menores.

Pela primeira vez, a Europa estava de posse de um texto puro do Novo Testamento. Contudo, sua obra foi severamente criticada pelos eclesiásticos conservadores, quando estes começaram a verificar o efeito que ela estava produzindo nas mentes do povo, quando as tradições seculares caíram rapidamente sob o escrutínio do Evangelho verdadeiro. Eles o chamavam “Behemote” ou “Anticristo”. E a Sorbone condenou 37 artigos extraídos dos seus escritos, em 1527 (5). Erasmo queixou-se: “Fiz o melhor que pude com o Novo Testamento, mas ele provocou disputas intermináveis. Edward Lee (Arcebispo de York) pretendia ter encontrado 300 erros. Foi nomeada uma comissão, a qual afirmava ter encontrado coleções deles. Cada mesa de refeição badalava erros de Erasmo. Eu, particularmente, os busquei, porém não encontrei” (6).

O texto de Erasmo muitas vezes tem sido também criticado por confiar fortemente em relativamente poucos manuscritos antigos. Eruditos competentes têm desafiado tais suposições, tanto no passado como em nosso tempo. Embora Erasmo estivesse de posse de poucos manuscritos, contudo ele teve acesso a muitos outros. Ele tinha acesso a cada biblioteca da Europa, inclusive a do Vaticano e a ele foram entregues as leituras do famoso manuscrito Vaticanus (Codex B), sobre o qual se embasa a moderna crítica dos textos gregos. Erasmo rejeitou suas leituras por considerá-las corrompidas. Embora tenha sido originalmente escrito no século IV, ele foi retocado alguns séculos depois, antes de cair em desuso. Seu texto jamais foi comparado independentemente por qualquer outro manuscrito, sendo que o mais próximo dele é o Alexandrino, do qual ele difere em incontáveis lugares. Ele foi escrito em um Grego clássico e seus textos exibem muitas marcas de corrupção e omissão. Em vez disso, Erasmo confiou nos manuscritos orientais escritos no Grego comum do Novo Testamento e não usou a tradução do Vaticanus. Outro texto grego chamado Complutensian Polyglot, produzido pelo erudito espanhol Ximenes, antes de Erasmo, embora publicado somente depois, continha virtualmente as mesmas leituras do Textus Receptus, tendo usado os códigos antigos disponibilizados pela Biblioteca do Vaticano. (7).

Erasmo havia examinado muitos manuscritos gregos e estava familiarizado com os comentários e traduções de Orígenes, Cipriano, Ambrósio, Basil, Crisóstomo, Cirilo, Jerônimo e Agostinho.

Embora os manuscritos possuídos por Erasmo fossem poucos, houve uma boa seção de cruzamento da principal fonte dos textos gregos disponíveis. O presidente do Comitê de Revisão de 1881, Bispo Ellicott, um crítico do Textus Receptus, disse: “Os manuscritos que Erasmo usou, em sua maior parte, diferem apenas em pequenos e insignificantes detalhes do âmago dos manuscritos cursivos. O caráter geral dos textos deles é o mesmo. Por esta observação, o pedigree do Textus Receptus vai além dos manuscritos individuais usados por Erasmo... Esse pedigree recua à antiguidade remota. O primeiro ancestral do Textus Receptus foi, pelo menos, contemporâneo dos nossos mais antigos manuscritos existentes, se não mais antigo do que qualquer um deles”. (8).

As duas primeiras adições omitiam a “Johannini Comma”, o verso da 1 João 5:7, presente na Vulgata Latina, o qual falava das três testemunhas celestiais. Por causa disso ele foi severamente criticado. Edward Lee, mais tarde Arcebispo de York, o chamou ariano. Em resposta, Erasmo disse: “Teria sido negligência e impiedade, se não consultei manuscritos que simplesmente não estavam ao meu alcance? Pelo menos eu reuni tudo que pude conseguir. Que Lee produza um MS Grego, que contenha o que minha edição não contém e que ele mostre que esse manuscrito esteve ao meu alcance. Só então ele pode me censurar por negligência em assuntos sagrados” (9). Desse modo, foi montado o palco para o que tem se tornado o grande grito de batalha da crítica contra Erasmo: sua inserção do Comma no seu texto embasado num manuscrito antigo. Ora, ele havia concordado em colocar o verso numa futura edição, se o verso fosse encontrado em qualquer um dos manuscritos gregos. (10). Um manuscrito grego (61) da Grã Bretanha contendo o verso foi-lhe apresentado. Ele suspeitava que o manuscrito tivesse sido escrito de propósito, mas fiel à sua promessa, as edições subseqüentes continham o verso (11).

Erasmo, o Cristão

“Temos certeza da vitória sobre a morte, vitória sobre a carne, vitória sobre o mundo e Satanás. Cristo nos promete remissão de pecados, muitos frutos nesta vida e, portanto, vida eterna. E por qual razão? Por causa do nosso mérito? Claro que não, mas através da graça da fé que está em Cristo Jesus... Cristo é nossa justificação... Creio que existem muitos não absolvidos pelos padres, não tomando a Eucaristia, não sendo ungidos, não tendo recebido sepultamento cristão, que descansam em paz; enquanto muitos que receberam todos os ritos da Igreja e tiverem um sepultamento próximo ao altar, foram para o inferno... Corram para as Suas feridas e estarão seguros!”

Erasmo sucumbiu vítima de pedra, gota e disenteria, tendo falecido aos 70 anos de idade, em Basiléia, Suíça, no dia 12/07/1536. Quando estava morrendo, ele disse estas palavras: “Ó Jesus, tem misericórdia; Senhor, me liberta; Senhor, dá-me o fim; Senhor, tem misericórdia de mim!”

Erasmo foi sepultado na catedral protestante de Basiléia. Seu sepultamento foi assistido por homens eminentes, tanto do campo católico romano como do campo protestante.

Traduzido por Mary Schultze, 24/12/2008.

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